FOLHA DOS GANCHOS - COLUNISTA ELI DIAS CORRÊA - A BERNUNÇA DOS GANCHEIRA
COLUNISTA : ELI DIAS CORREA
PROFESSOR, HISTORIADOR E FILÓSOFO
A BERNUNÇA GANCHEIRA
Era dia de luar.
O mar bravio batia na costa
pesqueira.
Era Semana Santa,
tempo de silêncio, tempo de
procissão.
As ruas de Ganchos viravam
reza,
e o povo andava com vela na
mão.
Seu Zé, homem galanteador,
estava no trapiche, olhando o
mar,
lembrando seus amores de
mocidade
e recitando rima de "Pão
por Deus".
De repente, lá pelas dez da
noite,
viu um movimento estranho na
água.
— Isso é peixe grande — disse
ele, coçando o queixo.
Mas o bicho vinha crescendo, se
achegando,
e um clarão se acendeu,
feito farol de navio ou flash
de câmera dos anos 80.
— Meu Bom Jesus do Areião... é
a Bernunça! — gritou ele.
Saiu correndo pelas vielas de
Ganchos,
berrando mais que sino da
igreja da Armação da Piedade.
— Corram, rapazes! É a
Bernunça!
Foi um alvoroço só.
Dona Flor, a rendeira
tradicional de ganchos, deixou até os bilros caírem no chão.
— Olha lá, olha! Comeu o barco
do Pedro! — disse ela.
Mas Seu Zé, morador antigo,
sabia que pra espantar coisa
do fundo
não era com grito, era com fé.
Chamou então Dona Benta,
benzedeira e parteira antiga,
portuguesa de nascença,
que já tinha benzido até tempo
ruim de agosto e vento sul.
Ela nem se abalou.
Pegou três ramos de funcho no
quintal
e desceu pro porto com os pés firmes
como raiz de figueira.
Chegou, olhou nos olhos da
criatura
e rezou baixinho, com firmeza:
Bernunça, vai.
Aqui não é teu.
Vai pro fundão do breu.
Com funcho, fé e cruz,
te espanto, em nome da luz.
Amém.
Quando terminou, Dona Benta
deu um grito:
— Olhó, olhó, olhó! Vem cá,
Seu Zé! Vem ver uma coisa!
E Seu Zé se aproximou,
ofegante, com medo.
— Olha que coisa mais linda...
dize Dona Benta.
Era o filhote da Bernunça
nascendo,
ali mesmo, entre as pedras e a
espuma do mar.
E sorte dela, que Dona Benta
era parteira antiga.
— Agora sim posso me aposentar
seu Zé, disse ela com um sorriso. Já fiz parto até de Bernunça!
A mãe e o bebê voltaram pro
alto-mar,
e o povo ficou ali, besta, de
coração lavado.
E Dona Benta, com os olhos marejados,
disse olhando o horizonte:
Hoje aqui em Ganchos apareceu,
um bicho que ninguém esqueceu.
Era a Bernunça, grandona e
ligeira,
assustou o povo da
beira-ribeira.
Mas não veio pra briga nem pra
confusão,
só procurava seu filho no
chão.
Pariu no morro, com choro e
poeira,
e ganhou o nome: Bernunça
Gancheira.
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