FOLHA DOS GANCHOS - COLUNISTA NEUSA BERNADO COELHO - As Marés Açorianas do Sul
COLUNISTA NEUSA BERNADO COELHO
POETISA E HISTORIADORA
As Marés Açorianas do Sul
Vieram do sal e do vento, do coração insular que pulsa no
Atlântico, navegando
com esperança nas velas e saudade no porão. Os açorianos —
filhos da fé, moldados
por vulcões e rosários — cruzaram oceanos e destinos,
tocando a terra nova com pés
descalços e almas determinadas. Era o século XVIII e, entre
ordens da coroa e
silêncios de Deus, deixavam para trás o aperto das ilhas e
os olhos marejados de quem
ficava.
Aportaram nas encostas do Sul, onde o mar beijava o Brasil
ainda menino.
Foram acolhidos por Desterro, Ilha de Santa Catarina, e logo
se espalharam pelo
Paraná, pelo Rio Grande do Sul, semeando vilas com nomes de
esperança,
construindo igrejas com pedras e promessas, fiando a vida
com fé e farinha.
Nas mãos calosas, traziam o ofício da pesca e do cultivo, o
dom da tecelagem e
da reza. Nas malas, pouco — mas no espírito, muito: cantigas,
procissões, o Divino
Espírito Santo, os segredos do Boi, as danças circulares, o
pão de milho, a renda de
bilro, e o costume de conversar com o mar. Tudo brotou ali,
como se a terra também
tivesse saudade de ser habitada com ternura.
As casas de pedra, de janelas azuis, ainda guardam as vozes
dos primeiros. O
vento, quando sopra das enseadas, carrega palavras do
português antigo. O sotaque
cantado, a lenda do lobisomem, da bruxa, o medo e a fé, os
sinos e os balões da festa
do Divino, são ecos dessa alma açoriana que, mesmo longe,
permanece próxima.
Nas escolas, nos centros culturais, nas praças em festa, a
memória açoriana
resiste. Ela não se cala, não se dissolve. Recria-se nas
mãos das rendeiras, no compasso
dos tamancos, na mesa posta com peixe, pirão e história. É
uma herança viva, que não
se esconde nas vitrines do passado, mas caminha ao lado dos
que ousam lembrar com
orgulho.
Porque celebrar os açorianos é reverenciar o encontro entre
mar e chão, entre fé e
luta, entre o antigo e o presente. É reconhecer que, sem
eles, o sul do Brasil não teria o
mesmo sotaque, nem o mesmo jeito de rezar, festejar e
esperar. São eles, com seus
barcos e esperanças, que deram rosto, alma e sustento a uma
terra que hoje também
se sente um pouco ilha — cercada de tradição por todos os
lados.
Neusa Bernado Coelho- Brisa do Mar-Palhoça/SC
@bcoelhoneusa
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