FOLHA DOS GANCHOS - SEU JANGA E DONA DALMA - HISTÓRIA DE VIDA

 

João Cristino Vieira – Seu Janga da Caieira

 




Texto: Professor Miguel João Simão

Escritor e Pesquisador

 

Aos 93 anos de idade, bastante lúcido, Janga conta sua vida como se estivesse vivendo seus tempos de criança e de adolescência, tudo nos mínimos detalhes. Entre boas gargalhadas e alguns momentos de silêncio, quando o assunto traz as dificuldades que enfrentou junto com a mãe, lembrando da velha Caieira que ele conheceu com uma casa aqui, outra acolá.

Filho de José Brás e de Cristina Vieira, João Cristino nasceu no dia 28 de outubro de 1931, no Porto de Dentro, pequena comunidade junto a Caieira do Norte, em Governador Celso Ramos.

Sua história é marcada por muito trabalho, visto que sua lida começou desde os 8 anos de idade ajudando a mãe em tarefas necessárias para abastecer a casa.

Num desabafo ele comenta: “ Miguel, eu e a mãe levava ostra pra Zareia de Baixo e do Meio, e lá trocava por mantimentos (farinha, rosca, melado, carne e outras coisas). Tinha vez que a gente não conseguia voltar e tinha que dormir na casa dos conhecidos da mãe. Uma vez fomos até o Jordão e anoiteceu e aí quem nos amparou e deu posada para nós foi o seu Pedro Henrique (avô do Marquinhos, do Marquinhos Prefeito). Ele era um homem que tinha condição na época, tinha venda, e ajudava muita gente. Só fomos embora no outro dia depois do café da manhã. A vida era assim, toda semana a gente ia nas pedras raspar ostra pra levar pra lá, pra poder ter o que comer em casa”.

Além disso, que não era pouca coisa, Janga também trabalhava de leiteiro (entregador de leite) na região da Caieira.

De manhã quando saia para estudar levava uma bolsa pendurada, tipo uma camisa, com bolsos preparados para colocar as garrafas de leite, e na saída da escola passava pelas residências para pegar as garrafas vazias.

Como menino precavido, no bolso tinha sempre uma funda que para pegar um passarinho que ajudava no jantar ou para se defender de qualquer animal grande.

Foi aluno da professora Silvia Prazeres de Carvalho, com quem estudou até o 3º ano primário, e conta que a escola ficava bem lá, onde está erguida a igreja de Santa Ana.

A vida do menino Janga podia ser até sofrida na época, mas ele fala que era assim mesmo, e que tem saudade daquela época.

“Não tinha luz, não tinha estrada, era tudo ajeitado conforme dava, mas Deus sempre foi bom e comida nunca faltou. ”

No Porto de Dentro moravam cinco ou seis famílias, e abrigava dois engenhos, um da farinha que pertencia ao pai de Janga, José Brás e outro de cana que pertencia ao Galdino.

O engenho reunia o pessoal da região na época da farinhada, e como uma irmandade, todos ajudavam uns aos outros. E assim Janga foi crescendo em meio as tarefas diárias colaborando com a mãe.

Aos 13 anos de idade o filho de Cristina Vieira, aprendeu a pescar e começava sua primeira profissão.

Mais tarde, aos 19 anos começa sua jornada de pescador, indo para o porto do Rio Grande, no estado gaúcho para trabalhar na pescaria.

No ano de 1952 namora com Dalma, a moça que flechou o coração dele e com quem casou.

Dalma é natural de Serraria, nascida em 08 de agosto de 1931 e filha de Lourenço dos Santos e Augusta dos Santos.

Sua vinda para Caieira deu-se após a morte do pai. Seus irmãos resolveram deixar Serraria e fincar morada na Caieira, e para Dalma e sua mãe não ficarem lá sozinhas, elas preferiram acompanhá-los.

A jovem Dalma, uma moça simples, calma, trabalhava nas casas de famílias, ajudava nos engenhos em épocas de farinhada, fazia de tudo para ajudar sua mãe.

Aos 21 anos de idade se apaixona pelo Janga, um namoro que durou pouco mais de um mês e logo se juntaram. Dalma convenceu sua cunhada (esposa de seu irmão) a lhe dar pousada, e assim aconteceu o roubo da noiva ou da namorada, o que era comum naquelas épocas.

Ambos levaram cada um, uma coberta para passar a noite, e foram para a casa do irmão de Dalma. Na época o casal guardava o maior segredo possível quando o namorado ou noivo, ia roubar a moça, pois se caso desse alguma coisa errada e não acontecesse o roubo, a moça não ficava mal falada.

Foi assim que o jovem casal fez, apenas pediram consentimento a cunhada dela para passarem a noite lá, o que foi surpresa para o irmão de Dalma, dono da casa.

Ao amanhecer, o então irmão de Dalma foi até a sala da pequena casa e lá estavam eles bem juntinhos. Como era época de caça e o cunhado de Janga caçava, quando chegou na sala, já estava preparado para sair, aliás todo preparado, tendo nas mãos uma espingarda. Janga diz que logo pensou: “ah meu Deus, ele vai me matar, qué ver só?”

Mas nada, o irmão de Dalma olhou, rio e saiu para caçar.

Daí em diante, novos caminhos eram planejados pelo casal, vinda dos filhos, construção de uma casinha, e iniciavam seus passos de casados, comprometidos e com o objetivo de vencerem.

Janga continuou sua saga no Rio Grande, depois no Rio de Janeiro, em Santos e em Itajai.

Enquanto isso, na Caieira, Dalma se virava do jeito que dava, procurando educar e sustentar os filhos até Janga mandar dinheiro para casa.

Embora a lida fosse grande, Dalma não desanimava. No início do casamento ficaram morando com o irmão de Dalma, depois passaram a morar com a mãe de Janga.

Mas com trabalho e muita fé em Deus, Janga consegue dar uma casinha para a família, construída no Porto de Dentro.

Com o tempo as coisas foram melhorando e Janga conseguiu construir uma casinha melhor, mas preparada num terreno doado por Cantídio Veríssimo (ex prefeito de Biguaçu).

Janga e Dalma, aos 93 anos de idade, lembram da casa cheia de filhos, eram 12 ao todo (hoje são 8 vivos).

Feliz, o idoso que já percorreu 9 décadas diz que vê outra Caieira, bem diferente dos velhos tempos. Numa casa bem arrumada, mas que ainda guarda o velho fogão a lenha, ele vibra de hoje ter 3 televisores e diz:

“Miguel, a gente não tinha nada, se casemos sem ter nada. Olha ai, hoje nossa casinha bonitinha, tudo certinho. Naquele tempo, não tinha estrada, não tinha luz, era pomboca de querosene pra gente não ficá no escuro. Me lembro quando chegou o jeep do Miguel Flor aqui, o jeep da prefeitura, foi uma festa. Foi o primeiro carro que chegou aqui, saiu todo mundo pra rua pra vê. Ninguém acreditava que vinha estrada pra cá, ninguém acreditava que isso aqui ia crescer. Visse o posto de saúde que tem? Estrada asfaltada, bastante rua, que a gente fica até bobo, tudo calçada de lajota. Isso é outra coisa, é outra vida mas melhor”.

Em 1981, Janga passou a trabalhar na prefeitura, no final da administração do Prefeito Aristo Gabriel da Silva (1977-1982), passou pela administração de Neri Luz de Azevedo (1983-1988), e ficou até se aposentar, quando estava na gestão de Luíz Napoleão Telles (1989-1992).

Depois de aposentar ainda pescou até os 70 anos de idade.

Sempre presente nos eventos da comunidade, Janga esteve junto da diretoria da Capela Santana há mais de 13 anos com Leomar Flores (in memoriam).

Hoje, Janga e Dalma, vivem em sua casa na Caieira com sabedoria de quem caminhou muito por essas estradas da vida, ensinando os mais novos que a vida é boa para quem sabe viver.

Que Deus continue abençoe esse casal simpático e de bem com a vida.



                  
 
o casal e alguns filhos
    

o casal com a Professora Lu Simão

E o velho fogão a lenha fazendo parte da casa
Dona Dalma ainda preserva o tanque de lavar roupas

                                o casal com o Professor Miguel Simão

                                                        (Seu Janga quando era jovem)

                              

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